quarta-feira, 25 de abril de 2012

Nem um pouco intactos

Rita, vim aqui te buscar. O porteiro disse que você saiu, mas sua mãe me deixou subir, acho que ela gostou da camisa de botão. Mariana está um pouco desconfiada. Ela me olha com o canto daqueles olhos que você e ela puxaram do Seu João. Não sei se é pena ou raiva. O que você disse a ela? Não importa. O que importa é que eu vim aqui te buscar, Rita. Eu errei com você e sinto tanta raiva de mim que nem sei como o papel suporta a pressão dessa caneta. Eu não suporto, Rita. Eu rasgo. Eu já rasguei, Rita. Vem me estancar. Eu te amo mais que macarrão com queijo. Volta pra casa. Ass: Querido

terça-feira, 24 de abril de 2012

Intactos

Querido, fui embora. Amor não é o bastante. Sexo não é o bastante. O seu macarrão com queijo eventual não é o bastante. Está quase tudo intacto.
O armário ficou com um buraco deixado pela ausência das minhas roupas. Tem comida na geladeira para uma semana. O tempo de você achar uma empregada ou contratar a sua mãe para o serviço. Deixei um livro de presente na sua cabeceira. Não consigo passar da página 11. Levei o roteador.

Rita

domingo, 22 de abril de 2012

Sinal de vida

João, querido, cheguei bem. Na sexta tomamos uma garrafa e comemos aquela tal pizza de pêra com cambert, que eu e você nunca conseguimos comer juntos. Comi com seu desejo e vou te contar que foi das vezes mais deliciosas. Se eu fosse você, corria agora pra lá. Peguei um avião estranho; pessoas bateram palmas quando aterrissou. Fiquei com medo. Será que elas sabiam de algo que eu ignorava? Que seja. Lembrei de te perguntar se precisa de teste de charme para ser aeromoça. É realmente impressionante, deve precisar. Olha, não pude te escrever antes porque não parei desde quando cheguei. Brasília é uma das cidades mais estranhas que já vi. Por vezes, me sinto numa maquete escolar. Num jogo de computador, com um céu tão bem programado quanto as ruas que não têm cruzamentos. Ah, que céu...! Esse lugar deve ter uma sala de controle só para as nuvens, com um cara que espalha chumaços de algodão no azul do teto. J. é uma anfitriã incrível. B. cresceu, assinalou as curvas, põe vermelho na boca e é uma mulher linda. Eu poderia falar horas sobre esses dois dias, mas não tenho muito tempo agora; Caetano vai cantar no cerrado. Com carinho, T. ps: você é, de longe, o melhor vendedor de geladeiras que já vi.

Altos

Rita, li na revista essa semana que os altos são mais felizes que os baixos. Dos meus 1,90m de altura, sou obrigado a discordar. Felicidade não é uma questão de altura, mas do nível e do tempo em que se passa embriagado, de cachaça, de cigarro ou mesmo da TV em um sábado à tarde. Falando em TV, me arrependi da assinatura que fiz. Antes eu via meia dúzia de canais passando a mesma merda de graça, agora são mais de 50, e por 60 conto! Como dizem, felicidade custa caro. Daqui a pouco até as putas entram em greve por reajuste na tabela de preços.

Saúde e sorte,

Ricardo.


sábado, 21 de abril de 2012

A crise da pós modernidade

Pai,

Vi um livro na sua estante muito estranho ontem à noite. O título era "O mal estar da pós modernidade", de um autor com um nome difícil. Na hora já achei que esse cara deve ser muito burro, porque eu, um bebê, já sei qual o problema dessa parada antes mesmo de ler. E posso explicá-lo em poucas palavras, ao contrário desse livro grosso e chato.
A primeira causa do mal estar está na própria palavra. "Pós-modernidade" já é quase uma frase! Segundo, que nada a ver isso de ser moderno. (Que dirá pós-moderno!) Não quero ver meu papai de pós-modernice por aí. Ser vintage é tendência.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Engolir

Professora,

Fiquei em dúvida se era certo escrever engoli à seco, assim com crase. Esse acento tão blasé! Tenho pelas crases um sentimento de ódio e atração. São tão donas do seu próprio espaço, coroando a primeira letra do alfabeto. Sabe que o Enem está chegando, e não quero perder minha vaga na faculdade por conta dessas crases. Preciso dominar a chata.
Mas enquanto ela está fera, decidi que deveria tirar o seco. Coloquei, em troca, um sapo, assim verde e gosmento. Engolir um sapo, pois bem. Mas sapos também não me agradam. Pulam e coaxam e acabam tirando a secura da engolida. Ao neutralizar a crase, o sapo aniquila o seco. Acho melhor não engolir. Entre secos e gosmentos, fico crase, muda e áspera.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tira a roupa

Querida, esqueci a roupa no varal. Ela ficou lá balançando pendurada enquanto eu engolia o Sucrilhos. Aliás, lembra de comprar leite. O meu acabou. A noite foi boa, mas hoje ainda é véspera de sexta, e o tripalium me espera. Quando chegar, o açoite é seu. Minhas olheiras crescem na proporção do desejo.
Parece que vai chover, então não esqueça de tirar a roupa. A minha e a sua. Te vejo mais tarde.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Pro-fundo

Mãe,

Revirando gavetas, encontrei um antigo diário seu. Pus o olho na fechadura, com todo o respeito que tenho às dilacerações escritas - em algum tempo, tão pesadas que só cabem nos fundos das gavetas. Esses fundos - como admiro! - tão bem revestidos de poeira e tão cautelosamente calculados, que não só sustentam o peso da memória, mas também espantam os narizes intrusos.
Não ia abrir, mas folhas caíram, meia dúzia de frases me escaparam, e então percebi que era um diário de gravidez. "Já sinto a vida dentro de mim", você escreveu, aos 5 meses de gestação.
Achei bonito te ver. O fundo da gaveta mostra mais do que a porta aberta.

T.

domingo, 15 de abril de 2012

Ei,

eu e João criamos um blog de recados. Você sabe que "fechando e abrindo a geladeira", na música do Cazuza, sempre me intrigou. Não entendia nada, pra falar a verdade. Até que um dia eu descobri que tinha a ver com aquela mania de abrir e fechar a porta da geladeira na ansiedade, você sabe como é. Parece funcionar. É mesmo um lugar mágico esse, não? Um pólo norte em pleno verão do Rio de Janeiro; um objeto muito obscuro. Nossas inquietações parecem em casa.

Com amor,

T.

sábado, 14 de abril de 2012

Descongela

Amor, a geladeira nova chegou. Tem lasanha no freezer e palavras na congelador. Só colocar no microondas. Não comprei o refrigerante Zero. Prefiro gorda do que chata. Bjs do seu gatão.